quarta-feira, 31 de julho de 2019

NIGREDO, OU OBRA AO NEGRO




"De acordo com Carl G. Jung esta primeira fase corresponde à integração da sombra, do aspecto obscuro da psique, ou seja, a integração das emoções, intuições, percepções e pensamentos que nós repudiamos ao longo da vida porque os consideramos inapropriados ou defeitos indesejáveis.
Nigredo, ou obra ao negro
Isto pressupõe um submergir no inconsciente pessoal para tomarmos gradualmente consciência das projecções que fazemos para as pessoas à nossa volta. Elas correspondem aos aspectos de nós que marginalizamos e reprimimos, que não aceitamos que são nossos. Esta fase pressupõe enfrentar cara a cara o aspecto sombrio da criação, em nós, em tudo. A Luz e a Sombra fazem parte da existência.
A palavra nigredo está associada à cor negra, ao chumbo, a Saturno (o planeta que, na idade média os astrólogos designavam por grande maléfico devido às provações que lhe estavam associadas mas que é na verdade um mestre rigoroso e sábio) ao que é pesado, difícil e que causa sofrimento. O primeiro passo do trabalho alquímico é, portanto, conhecer e encarar o nosso lado sombrio – a travessia no deserto. Faz parte deste processo o enfrentar raivas, invejas e ódios ocultos, o reconhecermo-nos na cobiça (mesmo a espiritual) e na competição. Este confronto com o nosso lado sombra causa depressão, melancolia, introversão, desilusão connosco mesmos e letargia. Quando estamos no nigredo, é comum sentirmos o mundo como um lugar triste, sem esperança e as pessoas como não confiáveis ou incapazes de nos confortar. O primeiro passo rumo ao alto, portanto, é um mergulho para baixo para nos conhecermos mais profundamente, com as nossas emoções pesadas, fraquezas e limites. Para alcançarmos todo o nosso potencial interno, é necessário que nos purifiquemos libertando-nos das nossas "sombras" (julgamentos, medos, ódios, culpas, tristezas, apegos) que danificam a nossa relação connosco mesmos e com os outros.
As maiores crises da nossa vida podem dar sempre inicio a extraordinários períodos de renascimento, se não ficarmos agarrados ao passado. São fases cheias de novas possibilidades em que é fundamental investirmos outra vez em nós, numa nova relação, numa carreira, numa outra forma de viver a vida. Perto do fim de algo, mesmo antes de raiar a madrugada é quando a noite é mais escura. E esse mergulho na noite escura da alma, é uma parte de um ciclo que pode levar dias, meses, ou anos, mas acaba sempre por se fundir no ciclo seguinte. É impossível mudarmos as fases da vida, mas, como somos magos das nossas experiências, as nossas escolhas estão constantemente a re-criar novas circunstancias.
Podemos sair da crise mais ou menos abalados, mas reforçados nos nossos fundamentos com a nossa estrutura temperada e fortalecida pelo fogo-dor da experiência. Podemos aprender que está na nossa mão mudar as circunstâncias e começar a praticar.
Como alquimistas de Vida, temos à nossa disposição para trabalharmos com e produzirmos os resultados que almejamos na realidade: o corpo físico, o poder do pensamento e a razão, a nutrição dos sentimentos e a capacidade de acção e mobilização das energias. Na verdade, tudo se resume à utilização adequada das energias para produzir um determinado resultado. Esta é a alquimia realizada pelo mago ou pelo herói, que é você.
Aceitar trabalhar com esse poder que é o de co-criarmos as nossas vidas com a essência que é a fonte, é aceitar viver uma vida mais consciente (ciente de si), mais lúcida (luminosa), mais criativa (o Self em acção).
Quando ficamos sem fogo, sem energia, sem motivação ou esperança, é o sinal inequívoco da vida em nós a preparar o terreno para a grande alquimia. Esta fase é pois o nigredo, a etapa ao negro da Alquimia interna que a crise representa. É a noite escura da alma, a travessia nos desertos que todos provavelmente já conhecemos. Nesta fase, sentimo-nos atirados para o fundo do poço, perdemos a antigas seguranças, ficamos desorientados e doridos, assustados e solitários nesse medo profundo e intraduzível. É preciso aceitarmos esse momento sem quaisquer certificados de garantia, nem ilusórias tábuas de salvação. É um momento arquetípico, que evoca poderosamente todas as mortes psicológicas por que passamos enquanto humanidade. É a etapa alquímica em que o chumbo se prepara para a sua ascensão, para chegar a ser transformado em ouro; é preciso que se desagregue neste caos dissolvente a partir do qual uma nova consciência emergirá.
É necessário continuar em frente, muito embora por vezes nem saibamos bem por que forças nos conduzimos através desse deserto, como conseguimos descobrir por que ponta pegar na nossa vida. Nesta fase, é preciso perder antigas referências de uma identidade que já não nos serve; que caducou como o BI. É preciso ter a coragem de não saber mais como nos definimos, como nos contrastamos com o mundo, a coragem de sermos transparentes nessa fragilidade que em breve irá abrir as portas ao novo degrau da espiral da vida. Esta é uma fase difícil, delicada, em que muitos se perdem em novas alienações que mais não são que fugas ao processo de crescer. Se não nos deixarmos anestesiar demasiado nem por demasiado tempo com quaisquer substâncias ou actividades que visem amortecer a dor mas que também impedem a evolução da alquimia integral que se está a realizar em todo o nosso ser, então um dia começam a despontar novos sinais de mudança.
Sinais de que uma nova e importante parcela do nosso psiquismo se está a preparar para emergir, para sair das trevas e anunciar-se à luz. Como será a experiência de sair das águas cálidas do ventre materno? De ser semente no seio da terra negra, a despedaçar-se desde o interior, até à periferia, germinando novas raízes, novo tronco, novas folhas? Aqui, já percebemos que as regras mudaram e que não vale a pena defendermo-nos à moda antiga. Também não adianta martirizarmo-nos com a culpa ou, inversamente, perseguir bodes expiatórios numa ilusória tentativa de diminuir a dor e de fugir para a frente. Isto não significa que nos demitimos do nosso dever de fazer o melhor para reparar, nos nossos relacionamentos, uma situação de injustiça, de crise, de dificuldade. O que significa, é que é preciso reparar o que puder ser reparado, apanhar os cacos e cuidar de nós começando por acolher uma nova e irreversível ordem na nossa vida.
Este confronto com a nossa realidade interna (ou vazio) é normalmente doloroso (pode ser depressivo), mas uma vez ultrapassado, uma nova luz nasce: surgem novas respostas e pistas sobre como lidar com a nova situação de uma forma positiva.
É pelo fundo de nós mesmos que nos descobrimos. A superfície não revela a nossa essência. Ela vai-se-nos revelando na medida em que vamos atravessando as diversas vivências que a vida nos serve, no decorrer da nossa existência. É bom lembrar-nos, de vez em quando, que não estamos sós. Deixemos que o pensamento – não estou só – perpasse a nossa mente de quando em vez.
Uma das evidências de que começamos a sair do nigredo, é o facto de sentirmos internamente que aqueles aspectos mais obscuros já não nos dominam. Saber que eles fazem parte de nós mas que não nos definimos por eles, dignifica a nossa humanidade e recorda-nos da nossa Essência. Compreendemos e sentimos que é possível contrabalançá-los quando em contacto com a nossa natureza luminosa. Nesta fase, compreendemos que temos chumbo e ouro, luz e sombra, e essa integração é sinal de que nos estamos a movimentar em direcção à próxima etapa, abandonando gradualmente esse estado doloroso para entrar noutro mais ameno.
Nesta fase começa a surgir a aceitação, que abre as portas para uma nova abertura a si mesmo. Esta abertura, por seu turno, facilita a compreensão do que está por detrás da atitude, da crise, da separação ou do problema (os mecanismos inconscientes que geram as dificuldades). Nesta fase, é importante que a pessoa se questione sobre o seu modo de vida e procure a ajuda necessária para compreender a origem do seu problema, dor, dificuldade. Esta busca denota uma aceitação gradual, aceitação do problema/situação, o que promoverá a compreensão do mesmo.
Exercício: escolha a situação da qual se quer libertar. Focalize-se nela e escreva-a ou desenhe uma imagem que a simbolize. Intensifique a sua concentração por uns instantes e depois queime o papel consumindo simbolicamente o poder que a situação tinha sobre si.
Quando o nigredo foi bem integrado, conquista-se:
- A capacidade de viver vários sentimentos com vitalidade, autenticidade, espontaneidade
- A capacidade de estarmos bem sozinhos
- Assertividade e auto-estima
- Criatividade
- Maior disponibilidade para uma intimidade mais plena.
No nigredo, conseguimos resgatar a nossa unidade interna.
"Ser feliz é ter futuro e é dar futuro. ... Mas ser feliz não é uma sorte, nem é ausência de problemas. É viver com sentido, com coragem, construindo o futuro e dando futuro. Isso depende de mim."
~Padre Vasco Pinto de Magalhães
~Vera Faria Leal

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