sábado, 16 de julho de 2022

FALTA UM POUCO DE "NADAS"



A vida não dá trégua. São tarefas ininterruptas, uma colada na outra, que parecem não caber nas 24 horas do dia. “É muita demanda”, “falta tempo”, é o que cansamos de dizer. Mentira: o que falta são pausas, silêncios, vazios. O que falta é a falta.
Falta um pouco de “nadas”, tempos e espaços não preenchidos. Falta um dia sem wi-fi, sem redes, sem Tiktok - falta ouvir o tic-tac dos minutos. Falta saber no que se ligar e quando se desligar. Falta coragem para ficar a sós. É a nova fobia coletiva: medo do silêncio e da solidão. Falta a luz apagada e os olhos cerrados. Falta não ter nada na frente. Falta enxergar no escuro, ouvir palavras não ditas. Falta conseguir se calar. Falta a falta de ruídos, para a gente poder se escutar. Falta a falta de imagens, para a gente poder se enxergar. Falta o ponto e vírgula, o intervalo do jogo, o farol vermelho, o domingo nos domingos. Falta não ter todas as respostas. Falta o hiato. Falta saber esperar.

Já não queremos mais textos longos, filmes longos, conversas profundas. Não aguentamos esperar o próximo episódio. Maratonamos nossos dias em busca de desfechos o que menos importa. A infância tem pressa, e o querer aprender passa rápido. Falta uma dose de ingenuidade, sobram coerência, mas falta um pouco de não saber, sobram certezas. Falta a falta de lógica.
(...) Com tantas metas, perde-se o objetivo. Com tantos caminhos, perde-se a direção. Com tantas coisas à mão, perde-se a expectativa. E o tempo fica curto, os caminhos curtos, sem direito a paradas e paisagens para contemplar. Falta muita coisa porque sobra muita coisa. Sobram filtros, exposições, imagens estáticas, encontros virtuais, emojis, curtidas. Falta curtir a vida - a real. (...)
Não são com excessos que se preenchem vazios. Mais do que isso: alguns espaços existem justamente para não serem preenchidos.
Becky Korich
(título original: "A Nova Fobia Coletiva", texto integral na Folha de S. Paulo)

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